Trágica morte de dois integrantes da PMDF alerta para a saúde mental da polícia

Com profundo pesar e tristeza, a AMPOL manifesta condolências aos familiares e amigos pelo falecimento precoce do Soldado Yago Monteiro Fidelis (31) e do sargento Paulo Pereira de Souza (46), a serviço da Polícia Militar do Distrito Federal-PMDF, na tarde de ontem (14/01), no Recanto das Emas-DF.

A tragédia aconteceu dentro de uma viatura quando os policiais pararam para comprar um picolé, no intervalo da ronda. Na ocasião, o sargento Paulo disparou contra Yago, antes de ceifar a própria vida. Paulo e Yago estavam acompanhados do sargento Diogo Carneiro dos Santos (49) que escutou os tiros mas não foi atingido pois estava parado do lado de fora da viatura. Paulo faleceu no local e Yago chegou a ser transferido para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), em estado grave, mas não resistiu. Até o momento não há qualquer evidência de desavença entre os envolvidos, segundo relatos do próprio Diogo e de testemunhas locais.

De acordo com informações divulgadas na imprensa, o autor dos disparos, Sargento Paulo, estava passando por problemas pessoais, vinha apresentando sinais de complicações psicológicas e já havia consultado especialistas da polícia, que o liberaram para trabalhar normalmente após avaliação. Paulo estava na PMDF há 23 anos e trabalhava no Gama, mas havia sido transferido havia três meses para o Recanto das Emas. Já o jovem Yago ingressou na polícia em 2021, estava prestes a se casar e planejava comprar um apartamento.

Em entrevista ao Podcast do Correio Braziliense veiculada em dezembro, o coronel Adão Teixeira de Macedo, então comandante da PMDF, explicou que a corporação possui um considerável déficit de efetivo desde 2014, o que acarreta uma séria sobrecarga física e mental dos policiais. Em uma década, o número de policiais na ativa foi reduzido de 15 para 10,3 mil servidores. Segundo o coronel Adão, isso se deve a um longo período sem concursos públicos, aliado a quantidade de policiais que se aposentam, que atualmente é superior aos que ingressam na corporação. A isso se soma o contingente de servidores afastados para tratamento de saúde, o que contribui para um “déficit de policiais em condições de trabalho operacional”.

Um levantamento realizado em 2022 pelas psicólogas Juliana Martins (doutora pelo Instituto de Psicologia da USP e Coordenadora Institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública-FBSP) e Juliana Lemes da Cruz (doutora em Política Social pela UFF, Conselheira do FBSP e cabo da Polícia Militar de Minas Gerais), aponta que as mortes por suicídio e por lesões não naturais em períodos de folga vitimaram mais policiais do que os confrontos em serviço.

Para as pesquisadoras, é fundamental vencer os tabus e debater as questões relacionadas ao suicídio entre os policiais. Apesar da imprecisão dos dados elas apontam alguns condicionantes laborais que afetam a saúde psíquica dos policiais, tais como: assédio moral; admissão do papel de “policial herói”; desgaste físico e mental em razão do contato continuado com situações de perigo; cobrança institucional pelo cumprimento de metas; endividamento e a insegurança jurídica.

Em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.531/2023, que trata de ações relativas à prevenção de suicídio e automutilação de profissionais de segurança pública. Entre as estratégias primárias estão o estímulo ao convívio social, programas de conscientização, ciclos de palestras e campanhas, e capacitação para identificação de casos de risco. A prevenção secundária é voltada aos profissionais que já estão em situação de risco de práticas de violência autoprovocada e deve investir em programas sobre o abuso de álcool e outras drogas, organização de uma rede de cuidado, acompanhamento psicológico regular e acompanhamento psicológico para policiais que estejam presos ou respondendo a processos. Na prevenção terciária, deve haver aproximação da família para envolvimento e acompanhamento no processo de tratamento, enfrentamento de toda forma de isolamento/desqualificação/violência eventualmente sofrida pelo profissional, restrição do porte de arma de fogo e acompanhamento psicológico.

A PMDF possui clínicas credenciadas para atender a saúde mental do efetivo e iniciou, no ano passado, a construção do novo Centro de Assistência Psicológica e Social (CAPS) da corporação. Entretanto, a disponibilização de profissionais ainda é insuficiente para atender toda a tropa e há resistência por parte dos servidores ao procurar ajuda, uma vez que o policial submetido a tratamento de saúde mental perde o porte de arma e não pode se voluntariar para serviço gratificado, o que serve como complemento de sua renda.

Segundo assessoria de imprensa da corporação, a saúde do policial militar é prioridade da comandante-geral da PMDF, coronel Ana Paula Barros Habka, que já havia solicitado uma reunião para tratar do tema desde que assumiu posto, no último dia 9 de janeiro. “O assunto deve ser tratado de forma transversal, abrangendo todos os departamentos” com o objetivo de assumir um “compromisso contínuo com o bem-estar e a saúde mental” dos militares e se empenhar na criação de “um ambiente de trabalho onde o cuidado com a saúde mental é uma prioridade”.

A garantia da Segurança Pública como Direito Social só pode ser efetivada a partir do cuidado com a saúde mental e com a oferta de condições de trabalho mais dignas para os policiais. As psicólogas Juliana Martins e Juliana Cruz, alertam que tal mudança de paradigma “envolve o olhar atento e permanente desde o ingresso, com a formação inicial, até o pós-aposentadoria do servidor”.

Em nome de toda a comunidade policial, a Presidente da AMPOL, Dra Creusa Camelier, se solidariza com a família dos enlutados e reafirma o compromisso da entidade com a humanização e a otimização do atendimento psicossocial ofertado aos servidores da segurança pública do Brasil.

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