Desde que ingressou na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) em 2013, disposta a seguir a carreira de perita criminal, a Odontóloga formada pela Universidade de Brasília, Beatriz Figueiredo, já se interessava pelo tema da violência contra a mulher.
Associada da AMPOL, logo no início da carreira, Beatriz ficou lotada na sessão de mortes violentas e trabalhou, por seis anos, como plantonista na cena dos crimes, tornando-se uma das primeiras chefes da sessão. Beatriz atribuiu ao estímulo de seu antigo chefe, Fábio Braga, o fato de a ter reconhecido como um perfil de liderança e gestão capaz de assumir cargos importantes no seio da corporação.
Ao logo do exercício profissional, Beatriz se deparou com o crescimento e a banalidade das agressões cometidas contra a mulher o que a fez aprofundar seus estudos sobre as especificidades de tais violações, antes mesmo da sanção da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), pois sentiu dificuldades de obter materiais técnicos que tratassem da perícia em locais de crime de violência direta. Foi a partir daí que, com o apoio teórico do mestrado em odontologia legal pela Unicamp, com enfoque em gênero, Beatriz começou a produzir seu próprio material e a ministrar cursos e palestras.
Em 2022 foi nomeada a primeira mulher a dirigir a Divisão de Perícias Externas, do Instituto de Criminalística, e foi uma das autoras do curso Aspectos Procedimentais do Protocolo Nacional de Investigação e Perícia em Crimes de Feminicídio do MJSP e do Protocolo Operacional Padrão da PCDF, para o atendimento de vítimas dos crimes contra a dignidade sexual. Tais documentos técnicos contribuíram para o aumento em mais de 150% no número de registros de casos de violência contra a mulher no DF.
“Identificar as mortes violentas de mulheres, quando em razão de gênero, como feminicídio, faz parte de um conjunto de estratégias destinadas a trazer visibilidade sobre a atribuição social de supremacia masculina, a fim de sensibilizar as instituições sobre a sua ocorrência e recorrência. A partir daí, torna-se objetivo precípuo promover e garantir os direitos das mulheres, estimulando, em paralelo, a adoção de políticas de prevenção à violência pautada na desigualdade sexista”, explica Beatriz Figueiredo.
Tal percurso e expertise fundamentaram a escrita do livro Perícia Criminal e o Valor Jurídico da Prova Material (2023), o primeiro no país a tratar especificamente da temática de inclusão da perspectiva de gênero durante o processamento local dos crimes praticados contra as mulheres.
A primeira parte da obra trata de temas que ancoram culturalmente a prática de tais crimes com patriarcado, gênero e desigualdade sexista ao longo da história, tipos de agressão contra a mulher e a respectiva evolução legislativa da proteção às vítimas de violência de gênero no Brasil. O diferencial do livro, no entanto, são as análises detalhadas sobre a prova material, destacando tanto o papel da perícia criminal no curso do inquérito policial e do processo penal, como a investigação específica de todos os vestígios comumente encontrados em locais de crime de feminicídio e dos respectivos valores forenses no contexto da violência de gênero.
“É o primeiro livro que trata dessa temática no país e a repercussão foi está sendo excelente porque estamos em um momento em que os números de feminicídio são alarmantes. Estamos batendo todos os recordes nos estados do país e o assunto virou recorrente. Produzir uma obra que pode auxiliar na investigação e na prevenção dos das mortes e violências contra as mulheres é, de fato, muito recompensador.”
Para Beatriz, ser uma mulher policial é gratificante, especialmente nos quadros da PCDF que é uma instituição considerada vanguardista em diversos movimentos de inclusão feminina. Todavia o desafio é constante, uma vez que as forças de segurança pública ainda são dominadas pela presença masculina, especialmente nos cargos de chefia das áreas técnicas/operacionais, como é o seu caso.
“É um desafio diário mostrar que você de fato está ali por ser competente. Quando você é mais enérgica ou tem que tomar decisões mais severas, que está fazendo aquilo única e exclusivamente pelo trabalho e não com com o viés de gênero como costuma ser associado ao trabalhar em ambientes majoritariamente masculinos. É sempre muito difícil porque você tende a se tornar invisível. E essa possibilidade de mulheres ascenderem é considerada quase como uma exceção do que não devia ser”
Assista a reportagem exibida pelo DFTV sobre o lançamento do livro de Beatriz Nascimento: